RECORTES CRITICA: MaXXXine (2024)
Crítica do capítulo final da trilogia de terror "A Marca da Morte", por Igor Nolasco.
O termo “pastiche”, em sua definição textual mais generosa, diz respeito a cópia, réplica ou referência a uma obra preexistente. Quando realizado de forma autoconsciente pelas mãos de um artista hábil, um filme que se propõe a ser um pastiche injeta ideias próprias em suas inspirações, não sendo necessariamente limitado ou inferior, tampouco mera paródia cômica. Dois casos completamente díspares um do outro, para ilustrarmos o quão ampla a gama de bons exemplares pode ser: quando Rogério Sganzerla quis fazer um pastiche do policial americano, fez O Bandido da Luz Vermelha (1968); quando Richard O’Brien e Jim Sharman quiseram fazer um pastiche do “filme B” de terror / ficção científica, fizeram The Rocky Horror Picture Show (1975). O que acontece, no entanto, quando um cineasta produz um pastiche que não reconhece suas próprias forças e limitações? Bom, o que ocorre é o que se vê na tela com MaXXXine, novo longa de Ti West que conclui a trilogia iniciada por X (2022) e Pearl (2022).
Nesse sentido, nenhum espectador pode, ao fim da sessão, alegar-se enganado e pedir o dinheiro do ingresso de volta, visto que as produções anteriores da série operam numa mesma chave: X era um pastiche do slasher setentista sob o signo do Massacre da Serra Elétrica (1974); Pearl, uma espécie de Mágico de Oz (1939) às avessas, na qual uma Dorothy despida de inocência nunca deixa os grilhões da casa no campo. MaXXXine fecha a trinca tentando, num plano narrativo, estético e iconográfico, fazer algo entre o arquetípico giallo italiano e o que um cineasta como Brian De Palma elabora em relação ao zeitgeist oitentista da pornografia e do VHS num trabalho como Dublê de Corpo — um pastiche (como tantas outras fitas de De Palma) hitchcockiano que, curiosamente, também entra na categoria dos bons pastiches que mencionamos anteriormente. O problema é que apesar de ser, numa análise fria, um filme de terror redondinho e que “resolve” a história trabalhada por West nos longas anteriores, MaXXXine passa bem longe de ser visualmente criativo ou narrativamente satisfatório.
O cineasta utiliza a atriz Mia Goth, protagonista de toda a trilogia, de forma absolutamente primária. Goth é indubitavelmente uma estrela, e seu papel em MaXXXine, quando comparado aos que desempenha em X e sobretudo em Pearl, deixa muito a desejar. Situando Maxine em uma escalada de carreira, tendo a primeira oportunidade enquanto atriz em um filme de terror hollywoodiano após alguns anos de carreira na indústria do entretenimento adulto, West desperdiça o potencial de explorar esse momento transitório da personagem retratando-o da forma mais apressada e unidimensional possível. Toda a relação entre a atriz aspirante vivida por Goth e a cineasta interpretada por Elizabeth Debicki nunca sai do superficial, e apesar de teoricamente se propor a ser uma obra sobre os perigos da busca pela fama a qualquer preço, MaXXXine tem pouco a dizer sobre Hollywood, e nunca o diz de forma bem elaborada ou significativa. Resta amparar-se em signos visuais, como o set do Motel Bates e do icônico casarão onde teriam sido filmados Psicose (1960) e suas continuações – que está aqui por propósitos meramente ilustrativos, uma vez que de nada serve ao andamento do filme; as sequências que giram em torno da casa são banais e acrescentam pouco aos temas trabalhados.
Se a estrela de Goth não brilha tanto quanto o esperado, é preciso ressaltar que algumas boas escolhas de elenco de apoio estão entre o que MaXXXine oferece de melhor: Giancarlo Esposito (como o agente da atriz, com um visual de grifter / advogado de porta de cadeia extraordinário) finalmente encontra um personagem que lhe permite exercitar outros músculos dramáticos após alguns anos sendo relegado a papéis chupinhados do bam-bam-bam frio e calculista que viveu em Breaking Bad, e Kevin Bacon (na pele do detetive particular contratado pelo vilão da história para perseguir Maxine) está deliciosamente canastrão, caricatural na medida certa, convincente enquanto ameaça e claramente se divertindo em cena.
Infelizmente, o que MaXXXine tem de mais interessante (Goth – mesmo que subutilizada – Bacon, Esposito, o gore bem trabalhado em algumas das mortes) acaba sendo diluído no meio do enredo principal; telegrafável e previsível, ele pouco empolga e possui um desfecho pífiamente anticlimático – por essas e outras, West falha em mimetizar um bom giallo (uma coisa é a quebra de expectativas no fim de um Profondo Rosso, outra é o que West faz aqui). A revelação do grande assassino que está por trás de tudo sai pela culatra, com peso dramático quase zero (isso vale, inclusive, para todo o final do filme). Ao depender da memória e da boa vontade do espectador em relembrar e dar alguma importância a eventos e personagens específicos de X, perde assim a autossuficiência que um filme como Pearl, por exemplo, ainda consegue ter.
Toda a insistência de West em tornar o massacre que acompanhamos em X em algo que atormenta Maxine, um fantasma em seu passado, na prática apenas ancora um filme no outro. A personagem está mais velha e nitidamente evoluiu, mas não temos a chance de vê-la enfrentar livremente novas desventuras, novos dilemas, novas situações – tudo sempre volta ao longa anterior.
O filme que chega às salas é um terror competente, mas formulaico; bem filmado e etiquetado com o selo da A24, mas desesperado em fingir ser o que não é (supostamente discorre sobre o universo da pornografia, mas é surpreendentemente recatado; tenta criticar a mítica de Hollywood, mas mal se dedica a construir algo pra desconstruir depois; tenta ser “filme B”, mas é “filme A”, etc). Os fãs da franquia e de Goth enquanto atriz possivelmente irão se contentar, uma vez que o longa mantém o “padrão de qualidade” de seus predecessores e conclui a história iniciada anteriormente mantendo-se na linha direta de X. Ao restante de nós, resta deleitar-se com algumas boas mortes, uma ou outra sequência em que a tensão é bem construída e deslancha de forma surpreendente (uma delas, bem ao início do filme, serve para mostrar ao espectador como Maxine mudou e se tornou uma pessoa mais reativa). E torcer para que Goth, atriz competente e que vem fazendo nome ao longo dos últimos anos, passe a trabalhar cada vez mais e com diretores de maior talento.
MAXXXINE (2024), dir. Ti West [trailer].
Sinopse: Na década de 1980, em Hollywood, a estrela do cinema pornográfico Maxine Minx tem sua grande chance de atingir o estrelato. No entanto, um misterioso assassino em série persegue as celebridades de Los Angeles e um rastro de sangue ameaça revelar o passado sinistro de Maxine.
Duração: 104 minutos.
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Igor, vc não acha que tanto no plano narrativo quanto no retrato do zeigeist dos 1980, o 'MaXXXine' não recorre também ao 'Hardcore' do Paul Schrader (e até mesmo na estética dos seus filmes de 1979 a 1983, em geral)?