📝 ensaios e entrevistas
uma breve introdução a shiguéhiko hasumi
Na penúltima edição da Recortes, eu comentei brevemente sobre alguns dos escritores referenciados pelo amigo Filipe Furtado em sua palestra sobre formas mais experimentais da crítica de cinema. Entre os nomes destacados, estava Shiguéhiko Hasumi. Gostaria de falar um pouco sobre ele hoje.
Alguns anos atrás, enquanto estava obcecado pela recém descoberta da filmografia do diretor Pedro Costa, encontrei um artigo escrito por ele sobre a experiência de compartilhar uma viagem de trem-bala com Hasumi, figura por quem ele nutre grande admiração. O texto, “Três horas com o professor Hasumi em um trem, no Japão”, que me dei ao luxo de traduzir, continha o seguinte trecho:
O professor Hasumi não tem a intenção de revelar nada. Ele confirma, sustenta; ele é como um companheiro para os filmes que elogia. A definição de cinema de Jacques Rivette também é a sua: um vínculo entre algo exterior e algo secreto que um gesto inesperado revela sem explicar.
Ler essa definição foi um grande marco para mim. Por mais que se tratasse de um conceito particularmente abstrato, aquilo me tocou profundamente. Senti naquela declaração um encapsulado de tudo que mais me encantava no cinema, e saí dali com um entusiasmo voraz para conhecer o trabalho crítico de Hasumi. Fiquei fascinado com o que encontrei.
Com descrições claras e livres de jargões acadêmicos, a sua abordagem adota uma metodologia única, até mesmo cômica. Hasumi tem como mote a identificação do uso repetitivo de gestos ou de situações aparentemente banais, que acabam por revelar como tais elementos sistematizam a obra artística de um cineasta. Num extenso ensaio sobre John Ford, Hasumi explora como o gesto de arremessar objetos está integralmente ligado a filmografia do cineasta:
É específico de Ford nos mostrar a imagem de uma sacola sendo arremessada [no começo e final do filme Doutor Bull] em vez de um trem chegando ou partindo. A sacola não tem um significado específico, mas o fato dela ser arremessada desempenha um papel na narrativa. […] O significado do arremesar varia de um filme para o outro. Ele é um elemento unificador, fazendo com que momentos análogos de filmes diferentes se correspondam. Em nível narrativo, esse tema marca ora uma abertura, ora uma ruptura. Ele dá início, acelera ou desacelera o curso da narrativa.
Em outros casos igualmente reveladores, Hasumi observa que os filmes de Yasujirō Ozu sempre possuem céus ensolarados, e que, a troca e a inversão desempenham um papel fundamental nas comédias de Howard Hawks, chegando a se tornarem eventos literais, com seus personagens frequentemente se encontrando de cabeça para baixo. Com uma observação minuciosa e uma escrita amplamente acessível, Hasumi evidencia não só a importância dos pequenos gestos no contexto dos filmes, mas também nos leva a refletir sobre como cada um deles se encaixa em sistemas mais amplos de significação. Seu método crítico obsessivo nos mostra que cada ação fílmica, por mais simples que pareça, sempre carrega um peso visual importante, que dita a narrativa ao invés do contrário.
Infelizmente, ainda há uma escassez de traduções disponíveis online de textos feitos por Hasumi. Embora sua contribuição para a cultura cinematográfica japonesa seja de grande relevância — tendo formado cineastas renomados como Kiyoshi Kurosawa, Ryusuke Hamaguchi e Shinji Aoyama —, seu trabalho continua amplamente desconhecido no Ocidente. A única exceção notável é uma recente tradução para o inglês de seu livro sobre Yasujirō Ozu, publicado originalmente no Japão em 1983.
Para a Recortes de hoje, estarei compartilhando com vocês tudo que já consegui encontrar dele nos últimos anos pela Internet.
A revista LOLA publicou alguns anos atrás uma edição especial sobre Shigehiko Hasumi com alguns textos muito elogiosos sobre o autor, além da tradução de dois ensaios do próprio:
A revista Rouge também publicou alguns ensaios traduzidos, como:
Alguns ensaios soltos:
E algumas entrevistas:
entrevistas da semana
M. Night Shyamalan, IndieWire, VEJA e The Atlantic
Sean Wang, The Film Stage
Claire Denis, Screenslate
Béla Tarr, The Guardian
🤔 o que assistir nesse final de semana?
le cinéma club (gratuito): Dick Fontaine
A Le Cinéma Club disponibilizou o filme Who is Sonny Rollins? (1968), média-metragem de Dick Fontaine sobre um dos mais lendários saxofonistas da história da música.
Duração: 28 minutos. Disponível até 22 de julho.
mubi ($): Apichatpong Weerasethakul
A MUBI disponibilizou Cemitério de Esplendor (2015), de Apichatpong Weerasethakul.
Sinopse: Em uma pequena cidade da Tailândia, soldados são vítimas de uma estranha doença do sono. Uma senhora que trabalha como voluntária tem um interesse especial por um paciente que nunca recebe visitas.
Duração: 122 minutos. Disponível por tempo indeterminado.
🍿 links de interesse
🇩🇪 Seguindo o exemplo do governo brasileiro, a Alemanha planeja quase dobrar o financiamento de seu cinema nacional nos próximos três anos, alcançando um valor de até 20 milhões de euros (R$ 124 milhões) [artigo].
🇮🇹 A seleção oficial de filmes do Festival de Veneza foi revelada! O Brasil será representado pelos diretores Walter Salles, que está na disputa pelo Leão de Ouro com o filme Ainda Estou Aqui, Mariana Brennand e Petra Costa. [artigo].
🏆 Boas notícias! O suposto comediante Jimmy Kimmel não apresentará mais a próxima edição do Oscar... Más notícias: O comediante John Mulaney recusou a proposta de ser o apresentador da próxima edição do Oscar [artigo].
🙂 Para a Orion Magazine, a crítica Moeko Fujii analisa o conceito de “agradabilidade de fachada” utilizado em filmes sobre conflitos de classe para desafiar as aparências gentis mantidas pela burguesia, usando como exemplos os filmes Mulheres Diabólicas (1995) e Parasita (2019). [ensaio].
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