📝 ensaios e entrevistas
a vida e a morte de hollywood
Ok. Talvez não uma morte, mas um grave sinal de alerta.
Eu estou longe de ser o único surpreendido pelo resultado desanimador da bilheteria de Furiosa: Uma Saga Mad Max. Segundo a Variety, a produção, que teve um orçamento estimado em US$ 168 milhões, precisaria arrecadar cerca de US$ 350 a 375 milhões para atingir um ponto de equilíbrio e obter lucro1. Há uma leve esperança de que esse valor seja inferior, dado que o governo australiano aplicou um incentivo fiscal de US$ 135 milhões ao filme. Mas, independente do que venha por acontecer, é uma pena que apenas uma má bilheteria de estreia já ponha em risco os planos de George Miller para sua sequência, Mad Max: The Wasteland.
Eu li algumas opiniões online acerca do pânico da Warner Bros. em torno de Furiosa que apontavam o sucesso fora do padrão das produções da Marvel como um fator determinante. Supostamente, a indústria cinematográfica teria perdido a noção do que constitui um lançamento bem-sucedido “normal”. Antigamente, filmes permaneciam meses nos cinemas, construindo bilheteria através do boca-a-boca. Hoje, no entanto, se um filme não arrecada muito dinheiro logo em seu primeiro final de semana, ele já é considerado um fracasso colossal.
Apesar de concordar, eu entendo que isso não é algo tão recente assim. Raro é o caso em que os estúdios não deixam seus filmes para morrer quando eles não fazem uma boa estreia em primeiro lugar. Acredito, no entanto, que a pandemia mudou muita coisa relacionada à cultura do ‘ir ao cinema’, e os estúdios tem grande parcela de culpa nisso. Desde que o grande público percebeu que não era necessário sair de casa para assistir aos últimos lançamentos, a bilheteria média tem caído cada vez mais (e, pelo visto, os estúdios já repensam essa estratégia). Faz algum sentido, por exemplo, Furiosa já estar disponível em plataformas online um mês depois de sua estreia?
E claro, tudo bem: no grande esquema das coisas, quem realmente se importa sobre bilheterias enquanto esses filmes continuam a ser produzidos? Bem, assim como Daniel Bessner pontua em seu extenso, excelente – e aterrorizante – artigo “The Life and Death of Hollywood”, a ganância não é uma novidade na indústria cinematográfica. Embora filmes comecem como projetos criativos, o cinema comercial sempre foi tratado pelo que ele é – um negócio. E esse negócio nunca esteve tão instável quanto hoje:
O setor de cinema e TV agora é controlado por apenas quatro grandes empresas e está repleto de incentivos para desvalorizar a produção real de filmes e da televisão. O que há de ser feito? A solução mais direta seria a intervenção governamental. Se quisesse, um governo presidencial poderia aplicar a lei antitruste existente, desmembrar os conglomerados e começar a separar as empresas de entretenimento das empresas de gestão de ativos. Poderia regulamentar o uso de ferramentas financeiras e controlar o capital privado. O governo também poderia aumentar a concorrência diretamente, fornecendo incentivo público para filmes e séries de televisão. Poderia estabelecer uma renda básica universal para artistas e escritores.
É provável que nada disso aconteça.
O artigo de Bessner é uma excelente análise sobre a situação atual do setor de entretenimento e de como, apesar dos esforços recentes de sindicatos como a SAG e a WGA, a indústria cinematográfica segue um caminho irremediável, sendo desregulada pelo capital privado em nome da gânancia de poucos e da contínua desvalorização de seus trabalhadores.
entrevistas da semana
Jane Schoenbrun, Little White Lies & New Yorker
🤔 o que assistir nesse final de semana?
estranhos encontros (gratuito): Lucas Lyrio e Gabriela Queiroz
A plataforma Estranhos Encontros disponibilizou dois curta-metragens, um de Lucas Lyrio e outro de Gabriela Queiroz. Ambos filmes são produções da “Filmes de gente”, uma nova produtora independente sediada em São Paulo.
Filme Particularmente Ordinário (2023): Um tecido que nasce de fragmentos do cotidiano e se alimenta deles. Uma tentativa de lidar com os nós que a distância faz nos fios que unem/separam os corpos, vidas e espaços que aqui são personagens. Duração: 15 minutos.
Eu faço loucuras por vocês (2023): Pode uma cidade, repleta de tantos encontros e possibilidades para tantas pessoas, não reservar nada a alguém além de fantasias? Rose sempre testemunha de perto declarações e loucuras de amor que nunca são para ela. Duração: 11 minutos.
Disponível até 13 de julho.
netflix ($): Neville d’Almeida
A Netflix disponibilizou o filme A Dama do Lotação (1978)2, clássico do cinema brasileiro dirigido por Neville d’Almeida.
Sinopse: Após ser abusada pelo marido na noite de núpcias, Solange passa a rejeitá-lo. A partir daí, ela se torna uma passageira de ônibus que parte para entregar-se a desconhecidos.
Duração: 96 minutos. Disponível por tempo indeterminado.
🍿 links de interesse
🔫 O remake francês de The Killer, de John Woo, deve ser lançado já em agosto [artigo].
🇧🇷 O país celebrou nesta quarta-feira (18/06) o Dia do Cinema Brasileiro. O jornal “O Globo” publicou um artigo explicando a história por trás da escolha da data [artigo].
☀️ Segundo dados da RioFilme, órgão da Secretaria Municipal de Cultura do Rio, o Rio de Janeiro é, atualmente, o local mais cobiçado do mundo por cineastas. A cidade recebeu 7.885 diárias de filmagem em 2023 [artigo].
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A regra geral é que estúdios de cinema precisam arrecadar o dobro do custo de suas produções para sair do vermelho.
Agradecimento à minha amiga Vitória Liz pela indicação do filme!
Resenha muito boa para refletir, como estará em Bollywood? Será que eles sofrem do mesmo problema do streaming e pós-pandemia?