📝 ensaios e entrevistas
preservação fílmica – um incêndio silencioso
Há alguns meses atrás, eu falei brevemente na Recortes sobre um texto publicado na New Yorker em defesa da coleção de mídias físicas. No artigo, o crítico Richard Brody defendia que, quando deparado com a deleção em massa feita por figuras como David Zaslav e Bob Iger em suas respectivas plataformas de streaming, a melhor maneira de preservar filmes seria segurar firme aos nossos DVDs e Blu-Rays. No espalhar da notícia, muitos alegaram que poderiam fazer o mesmo no campo digital. Torrents, backups online, um SSD externo... São muitas opções. Mas seria isso cabível? Pesquisando sobre, acabei descobrindo que a preservação digital é mais cara, mais custosa, e, se tratando de qualidade, muito pior.
A notícia da semana vem da Hollywood Reporter. Filmes do começo desse século estão correndo um risco sério de serem perdidos devido a deterioração digital. Pode não parecer, mas o ato de armazenar um filme digitalmente pode custar 10 vezes mais do que por meios físicos tradicionais, como na preservação da película. Pra piorar, esse valor sequer leva em conta o custo do uso ou da manutenção em torno das ferramentas utilizadas para possibilitar esse tipo de preservação.
Toda película é vítima da decomposição a partir do momento do qual ela é confeccionada, mas um rolo de filme armazenado adequadamente, em condições climáticas ideais, pode durar mais de um século. O digital não tem esse tipo de longevidade, e isso não se trata apenas de hardware: formatos de arquivos, por exemplo, estão em constante estado de evolução. É claro que um padrão como DCP1 não vai desaparecer da noite pro dia, mas até ele não é, necessariamente, o melhor formato para montar um acervo. Pela forma que ele funciona, se você não possui a chave para desbloqueio da criptografia que garante acesso ao material do arquivo, ele se torna praticamente inútil.
Falando em problemas com preservação, a Linda Tadic, CEO da Digital Bedrock, uma empresa destinada a preservação de dados e arquivamento digital que trabalha com grandes estúdios de cinema, teve isso a dizer:
“É um incêndio silencioso. Nós encontramos problemas com todos os filmes e programas de televisão que tentamos preservar. Eu até poderia lhe contar histórias – mas não posso, por conta da confidencialidade.”
Tudo isso soa um pouco desesperador. E se as coisas já estão assim lá fora, tenho até medo de saber o cenário completo do cinema brasileiro. O que podemos fazer atualmente é celebrar os poucos mas importantes esforços coletivos que temos, como é o caso das equipes de preservação dentro das cinematecas e do fórum anual da Mostra de Cinema de Ouro Preto com enfoque no assunto.
e o oscar da recortes vai para…
A disputada da enquete foi acirrada, mas os leitores da Recortes elegeram como o grande merecedor do Oscar de Melhor Filme o francês Anatomia de uma Queda, da diretora Justine Triet! Parabéns, Messi!
Também perguntei qual foi o filme favorito de vocês do ano passado por pura curiosidade. Segue abaixo o Top 5 das obras mais mencionadas:
Segredos de um Escândalo, de Todd Haynes
Folhas de Outono, de Aki Kaurismäki
Assassinos da Lua das Flores, de Martin Scorsese
Afire, de Christian Petzold
Vidas Passadas, de Celine Song + Pobres Criaturas, de Yorgos Lanthimos (empate)
Confira também a lista completa de filmes mencionados por nossos leitores.
entrevistas da semana
Extra:
🤔 o que assistir nesse final de semana?
google drive (gratuito): Éric Rohmer
Ruy Gardnier, o coordenador de programação da Cinemateca do MAM-Rio, disponibilizou gratuitamente uma série de documentários educativos para a TV dirigidos pelo cineasta Éric Rohmer nos anos 60 sobre filosofia, literatura, ciências e arquitetura.
Legendadas e traduzidas recentemente para a mostra de retrospectiva do cineasta feita pela Cinemateca em 2022, o acervo conta com 7 curtas e o longa-metragem O Celulóide e O Mármore (1966).
mubi ($): Glauber Rocha
A MUBI disponibilizou uma cópia restaurada de A Idade da Terra (1980), último filme de Glauber Rocha.
Sinopse: Inspirado em um poema de Castro Alves, o filme faz um retrato da situação política, cultural e racional do Brasil no final dos anos 70. Assumindo um tom profético e religioso, a obra reconta o mito cristão por meio de símbolos e costumes da cultura brasileira.
Duração: 152 minutos. Disponível por etc.
🍿 links de interesse
🇦🇷 Por decisão do recém-eleito presidente Javier Milei, o governo argentino anunciou que pretende retirar todo o financiamento do Instituto Nacional de Cinema Argentino (INCAA). A ação afetará escolas de cinema, produções, festivais, cinemas… Basicamente tudo relacionado a produção audiovisual no país [artigo].
🏅 Para o portal Cine Ninja, a Ana Kinukawa fala sobre as recentes conquistas do cinema asiático em premiações internacionais da indústria. Estaríamos evoluindo na representatividade de narrativas asiáticas? Ou deparados com um novo formato de orientalismo? [artigo].
🔥 Em entrevista para a Radio France, o cineasta Michael Mann revelou que sua sequência de Fogo Contra Fogo (1995) já está em pré-produção. Segundo o jornal The Economic Times, o longa-metragem será rodado pela metade de 2024 [artigo].
🇵🇸 Para o portal Ultra Dogme, a escritora Leena Habiballa redigiu um texto sobre a cineasta e acadêmica palestina Khadijeh Habashneh, relatando seu histórico atuando dentro do Instituto de Cinema Palestino (PFU) [artigo].
💀 O crítico de cinema Z. W. Lewis publicou na Notebook o ensaio “Menaces and Martyrs”, um estudo sobre as diferentes representações do assassino político pelo percorrer da história do cinema [ensaio].
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Com a migração dos cinemas comerciais para o meio digital, o DCP se tornou o formato de entrega padrão para a exibição de filmes.