📝 ensaios e entrevistas
greve de atores, de roteiristas… e o que isso significa para o cinema
Duas semanas atrás, a Screen Actors Guild, sindicato que representa mais de 150 mil atores de Hollywood, anunciou uma greve em solidariedade com a Associação de Roteiristas da América (WGA), já paralisada desde abril. A decisão marca a primeira vez em décadas que ambos os sindicatos entram em greve simultaneamente. Para se ter ideia, a última vez que isso aconteceu, no longínquo ano de 1960, o sindicato dos atores era liderado pelo então ator e futuro presidente dos EUA, Ronald Reagan1.
Em 1960, os roteiristas requisitavam melhores salários, planos de seguro-saúde e o pagamento de residuais (ou royalties) pela reexibição televisiva de trabalhos nos quais haviam participado. A classe de atores requisitava os mesmos residuais por filmes nos quais haviam atuado. Na época, a greve perdurou por 5 meses, finalizando com a vitória de ambas as classes. Comparando a situação com a de hoje, as requisições pouco mudaram, mas o andamento não é tão similar. Chegando perto do 4º mês da paralisação e com poucas negociações em andamento com a Aliança de Produtores de Cinema e Televisão (AMPTP)2, a greve não tem desfecho à vista e pode perdurar até o próximo ano.
Fora a nova problemática da inteligência artificial, a questão dos residuais foi piorada pela ascensão das plataformas de streaming, reduzindo a remuneração e a transparência por trás dela. Segundo Crabtree-Ireland, diretor executivo da SAG:
“A estrutura atual dos residuais é baseada em um sistema de níveis, no qual quanto mais assinantes uma plataforma tiver, maior é o seu pagamento. Isso, no entanto, não acompanha a questão da audiência, visto que todos os programas são tratados da mesma maneira. Tanto faz se você faz parte do programa mais popular ou menos popular da plataforma, você recebe o mesmo”.
Vale ressaltar que o acesso a residuais é comumente restrito a artistas de renome, enquanto que muitos dos trabalhadores do meio audiovisual são pagos apenas durante o período de produção. Algumas investidas para sanar esse problema até já foram feitas por algumas figuras da indústria, como é o caso dos atores Ben Affleck e Matt Damon, que instituíram recentemente a produtora Artists Equity3. A ideia da produtora é simples: compartilhar equivalentemente o lucro entre a equipe, beneficiando todos trabalhadores do meio audiovisual igualmente, de atores a roteiristas, cinegrafistas, editores, figurinistas... Todo mundo ganha!
E qual é a posição dos estúdios sobre isso? Bem, após chamar o movimento de “perturbador” e “disruptivo”, o atual CEO da Disney, Bob Iger, assinou um contrato que garante a ele um salário anual de US$ 27 milhões. Já um executivo de estúdio compartilhou anonimamente ao portal DEADLINE que “o objetivo final [dos estúdios] é deixar que as negociações se arrastem até que os membros do sindicato comecem a perder suas casas.” Outra fonte do alto escalão hollywoodiano teria adicionado que se trata de um “mal necessário, ainda que cruel”. Tudo normal.
Aliás, como essa paralisação afeta a indústria? Enquanto que o efeito da greve dos roteiristas foi sentida de forma mais lenta, majoritariamente por notícias de produções sendo congeladas no estágio de planejamento, a junção da greve dos atores praticamente paralisa a indústria. Como atores credenciados à SAG são impedidos de participar de testes de elenco ou propriamente atuar, todas gravações estão impedidas de prosseguirem ou sequer serem iniciadas. Grandes produções como Missão Impossível4 e Gladiador 25, por exemplo, foram prontamente interrompidas e só retornarão após o fim da greve.
No campo da distribuição, os próximos festivais internacionais de cinema até podem exibir os filmes já credenciados, mas a atividade promocional será nula, visto que atores credenciados à SAG não são permitidos a fazerem qualquer tipo de publicidade para séries ou filmes que os envolvem durante a paralisação. O novo projeto de Luca Guadagnino, Challengers, por exemplo, não será mais o filme de abertura do Festival de Veneza deste ano. A produtora decidiu retirar o filme da mostra, muito provavelmente por Zendaya, sua estrela principal, ser impedida de atravessar o tapete vermelho. Inclusive, seguindo esta regra, atores também estão proibidos de atenderem premiações como o Óscar e o Globo de Ouro. O próprio Emmy já considera adiar a edição deste ano para janeiro.
Se você tem mais interesse ou dúvidas sobre o assunto, esta extensa entrevista da Vulture com o Jonathan Handel, escritor do livro Hollywood on Strike!: An Industry at War in the Internet Age, traz todos detalhes sobre essa história. De resto, nos cabe aguardar por um desfecho positivo para a classe dos trabalhadores no meio audiovisual.
entrevistas da semana
Whit Stillman, Notebook: No meio de uma Festival de Marseille, o reacionário diretor estadunidense concedeu uma entrevista para discutir seus filmes, destacando Descobrindo o Amor (2011) como seu projeto “mais corajoso”.
Khalik Allah, BOMB: O diretor e fotógrafo novaiorquino fala sobre o amor que possui por sua cidade natal, sua devoção pelos habitantes de Harlem, espiritualidade, e como estes tópicos se conectam aos seus filmes.
Bruce Elder, desistfilm: O mais importante cineasta vanguardista estadunidense dos anos 80 (pelo menos de acordo com o cineasta Jonas Mekas), fala sobre sua filmografia, seus interesses, e o que o levou até o cinema.
🤔 o que assistir nesse final de semana?
Por convite da Recortes, as indicações desta semana são de
, escritor responsável pela newsletter .youtube (gratuito): Roberto Pires
O Instituto Memória Roberto Pires, organização dedicada à preservação e divulgação da obra de cineastas baianos, disponibilizou gratuitamente a restauração do clássico do Cinema Novo, Tocaia no Asfalto (1962), em seu canal do YouTube.
Sinopse: Um pistoleiro é contratado para matar um político corrupto. Porém, o acordo é cancelado. Apesar de ser um matador, o homem leva seu trabalho a sério e prefere ir até o fim.
Duração: 101 minutos. Disponível por tempo indeterminado.
globoplay ($): Leon Hirszman
A Globoplay disponibilizou na sua plataforma de streaming o filme São Bernardo (1972), do cineasta brasileiro Leon Hirszman. O filme é uma adaptação do romance homônimo de Graciliano Ramos.
Sinopse: De origem pobre, Paulo Honório trabalha incansavelmente e consegue se tornar um rico fazendeiro. Sua esposa, Madalena, precisa enfrentá-lo depois que ela se cansa de seus modos tirânicos.
Duração: 113 minutos. Disponível por tempo indeterminado.
🍿 links de interesse
🎶 O ator Tony Leung, muso do cineasta Wong Kar-Wai, participou do clipe da música ‘Cool With You’, do girl group sul-coreano NewJeans [vídeo].
👠 A última sexta-feira (21/07) marcou o aniversário de 75 anos do filme Os Sapatinhos Vermelhos (1948), de Emeric Pressburger e Michael Powell [trailer do filme].
😶🌫️ O crítico Nathan Lee escreveu um interessantíssimo ensaio para o portal Broadcast sobre o “cinema de terror anti-social”, um gênero caracterizado por recentes lançamentos como We’re All Going to the World’s Fair, The Outwaters e Skinamarink [ensaio].
🥇 A seleção de filmes oficial do Festival de Veneza está alucinante: filmes de Bradley Cooper, David Fincher, Frederick Wiseman, Michael Mann, Ryūsuke Hamaguchi, Shinya Tsukamoto, Sofia Coppola, Wes Anderson, William Friedkin e Yorgos Lanthimos [lineup].
🥈 O Festival Internacional de Toronto também anunciou sua seleção, com filmes de Bertrand Bonello, Christos Nikou, Ellen Kuras, Kitty Green, Lukas Moodysson, Michel Franco, Richard Linklater e Taika Waititi. A nova animação de Hayao Miyazaki será o filme de abertura [lineup].
🕊️ Faleceu na última semana (16/07) a cantora, compositora, modelo e atriz Jane Birkin. Jane atuou em clássicos feitos por cineastas como Agnès Varda, Hong Sang-soo, Jacques Rivette e Michelangelo Antonioni. A escritora Lillian Crawford fez um ensaio para a Notebook sobre dois filmes feitos por Agnès Varda e Charlotte Gainsbourg sobre a cantora [ensaio].
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Ironicamente, também futuro destruidor dos direitos sindicais nos EUA.
Trata-se de uma associação comercial que reúne empresas como Amazon, Apple, Disney, Netflix, Paramount, Sony, e as as principais redes de televisão aberta dos EUA (ABC, NBC, etc.)
Um agradecimento especial, aliás, para minha amiga
que me lembrou desta iniciativa durante a elaboração da edição.Vale comentar que o ator Tom Cruise, ainda que pouco visto nos piquetes de greve, é um dos atores mais ativos na defesa de ambos os sindicatos.
Tony Leung como sempre elegantíssimo